De como a gente quer viver

De uma proposta que pretende mexer com a dinâmica das relações de trabalho no Brasil na extensão do projeto de lei 4.330, espera-se ao menos fundamentação que, discorde-se ou não, tenha um mínimo de estofo. Não é o caso. Não há qualquer elaboração de natureza mais filosófica ou sociológica. A lógica é clara ao desenhar regras voltadas para os interesses do mercado. Há trecho lá que diz: “Nesse contexto, a terceirização é uma das técnicas de administração do trabalho que têm maior crescimento, tendo em vista a necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço.”

Simples assim.: lucro, produto e serviço. Importante, mas não suficiente. Isso aponta para como se pensa (ou não) a perspectiva humana nas nossas relações econômicas. E inquieta pensar aonde esse modelo levará. Corte de custo, aumento de produtividade, mas também salários menores, mais desigualdade e pobreza. Uma coisa é certa. É conta que não fecha, independente do modelo que projeta construir, seja o lucro, seja a humanização. Definitivamente, esse projeto não contempla os dois.

Pois bem, mas tem como ser diferente, ainda que não precise ser igual. A narrativa da jornalista brasileira Beatriz Portugal, reproduzida pelo site Diário do Centro do Mundo, dá pequena mostra. Ela vive na Islândia, ilha encravada no topo frio do planeta, considerada o melhor lugar do mundo para as mulheres. Quem diz é o Fórum Econômico Mundial. E isso se traduz em igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Em relação a questões básicas, incluindo o mercado.

O recorte da jornalista é a maternidade. Lá, pai e mãe têm licença de nove meses ao todo. São três para a mãe, três para o pai e outros três a serem usados na conveniência, divididos ou, ainda, para um ou outro. Há o valor igualdade, a lógica, porém, é que a maternidade deixa de ser risco para a mulher no trabalho, no estudo e na vida social. Além da licença-paternidade, há, claro, rede de apoio com serviço de creches e escolas a preço acessível por ser subsidiado pelo governo. A jornalista conta que a Islândia tem a mais alta taxa do mundo de participação feminina no mercado de trabalho, 88% das mulheres em idade ativa. Tem também das mais altas taxas de fertilidade do continente envelhecido, média de dois filhos por mulher. E o que isso tem a ver com a terceirização em debate no Brasil? Bem, depende do modelo de sociedade que a gente quer viver.

Fátima Sudário

fsudario@gmail.com
Jornalista do O POVO

http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2015/04/20/noticiasjornalopiniao,3425447/de-como-a-gente-quer-viver.shtml

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