Seria o corpo e a sexualidade uma construção discursiva?



Há três anos venho dedicando meus esforços no estudo da história do corpo e da sexualidade e suas influências na cultura ocidental, especificamente na formação da identidade sexual do homem brasileiro ao longo dos séculos. Aqui não faço juízo de valores, mas somente um pequeno relato de como diferentes mecanismos ao longo do tempo criaram padrões de valores que explicam determinadas situações e comportamentos do cotidiano.

Falar de sexualidade é se enfronhar em espaços de silenciamentos e tabus; terreno carregado de mecanismos de controle social que tentam impedir a livre circulação das pulsões e intensidades do corpo. Mecanismos de interdições ligados a diferentes instituições, a começar pela família (suas regras de como se portar em público, como se sentar, o que nunca dizer na frente dos outros, o que vestir ou não vestir em determinados ambientes); seguidos da escola (porta de entrada da vida privada familiar ao espaço público) que exerce forte relação de poder sobre o corpo do aluno, formando o corpo do cidadão e finalmente as instituições religiosas com suas normas de controle sobre o corpo e suas pulsões. 

De imediato, caro leitor, é importante afirmar que não existe propriamente um corpo, como algo dado no nascimento a alguém, pronto e acabado, pelo contrário, o corpo é construído simbolicamente ao longo da vida de um indivíduo, influenciado por todos os discursos morais e valorativos impostos a ele por estas instituições citadas acima. Por isso, é impossível falar do corpo e da sexualidade como algo pronto e acabado, uma vez que em diferentes épocas e culturas teremos diferentes noções sobre os corpos e experiências de sexualidade. Um exemplo, imagine o ideal de beleza feminina de uma etnia na região da Tailândia, no qual as mulheres desde a infância utilizam argolas no pescoço. Este costume faz o pescoço delas parecer incrivelmente longo, daí o nome mulheres girafas. Perceba, que as normas e os costumes nesta cultura forma e modela o corpo da mulher a um padrão de beleza que é considerado por eles como o ideal.

O mesmo exemplo se aplica em nossa sociedade do ideal do corpo magro, siliconado e musculoso. Padrões de beleza típicos de uma época onde a virilidade e erotismo giram em torno do corpo das proporções perfeitas. O discurso do corpo ideal utiliza os meios de comunicação social, atinge as famílias e a educação e exerce um poder tal sobre nossos corpos que passa a se tornar um objeto de desejo procurado por muitos. Então, não existe o corpo, mas sim o corpo construído discursivamente pelas relações de poder, como um produto, recheado de efeitos de sentido. É sobre esse corpo que circula a sexualidade, com suas diferentes expressões, sejam nos relacionamentos de afeto, no sexo e nas relações amorosas. 
Isso nos faz entender porque no início do século passado o casamento da mulher virgem ser um componente social importantíssimo na cultura brasileira. O Código Civil, aprovado em janeiro de 1916, assegurava a anulação do casamento caso o defloramento da mulher ocorresse antes do casamento e fosse ignorado pelo marido. Os efeitos de sentido que o discurso moral exercia sobre o controle do corpo da mulher eram tão fortes que determinavam o momento certo para o ato sexual.

Por isso, não julguemos o passado com os olhos do presente, pelo contrário, questione qual é a intensidade que as relações de poder exercem sobre seu corpo que te leva a pensar e se comportar da maneira como age e pensa. Lembre-se, você é um sujeito produzido por diferentes discursos (religiosos, familiares, escolares, etc) e são eles que ecoam quando você fala, age, sente e deseja. 

O autor é filósofo, mestre em Linguística e Análise do Discurso e pesquisador sobre Corpo e Sexualidade pela Unesp de Araraquara.

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