Juiz é criticado por usar expressão 'esquerda caviar' contra ativistas

Rafael Marques Lusvarghi, detido no protesto no dia 12 de junho e nesta segunda (23) na Avenida Paulista (Foto: Estadão Conteúdo)
Rafael Marques Lusvarghi, detido no protesto no dia 12 de junho e nesta segunda (23) na Avenida Paulista (Foto: Estadão Conteúdo)
Líderes de movimentos sociais e professores ouvidos pelo G1 criticaram a comparação entre "black blocs" e "esquerda caviar" feita pelo juiz que negou os pedidos de liberdade provisória de Fábio Harano e Rafael Lusvarghi. Os dois manifestantes estão presos desde 23 de junho sob acusação de porte de explosivos, associação criminosa e incitação à depredação do patrimônio público. Na segunda-feira (4), laudo da PM apontou que o material apreendido com a dupla não era explosivo.
“O juiz revelou de uma maneira bastante clara a sua completa parcialidade no caso. Ele julgou esse caso por razões ideológicas, inclusive por uma ideologia direitista e mal fundamentada”, disse Guilherme Boulos, um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP).
“É um argumento cínico e hipócrita. A gente poderia responder na mesma moeda dizendo para essas pessoas que defendem que ‘bandido bom é bandido morto’: ‘quantas pessoas você já matou?’. É uma coisa tão bizarra quanto. Apenas busca deslegitimar os argumentos de esquerda sem enfrenta-los”, afirmou.
A comparação entre black blocs e "esquerda caviar" foi feita pelo juiz da 10ª Vara Criminal, Marcelo Matias Pereira, do Fórum da Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo. "Esquerda caviar" é uma expressão de origem francesa (gauche caviar) para descrever ativistas que dizem ser socialistas, mas que usufruem do capitalismo.
“’Black Blocs’, que passaram a promover todo tipo de arruaça, depredação, destruição e horror, vergonha nacional e mundial (...) sob o argumento de que são contra o capitalismo, mas usam tênis da Nike, telefone celular, conforme se verifica das imagens, postam fotos no Facebook e até utilizam de uma denominação grafada em língua Inglesa, bem ao gosto da denominada ‘esquerda caviar’”, escreveu o juiz Marcelo sobre o estudante Fábio e o professor Rafael.
Não é preciso ser pobre para se preocupar com a situação das pessoas pobres"
Pedro Fassoni Arruda,
Boulos ainda aponta outras incoerências no argumento do juiz. “Ele dizia que as pessoas se dizem de esquerda, mas usam celular e tênis Nike. Ele busca fundamentar uma suposta incoerência sem qualquer noção sobre a esquerda. Quem não tem celular hoje? O Brasil tem mais linha de celular do que população. Isso demonstra um desconhecimento de quem nunca saiu de Higienópolis e não sabe a vida do povo”, finalizou.
O professor do departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedro Fassoni Arruda, chamou de “inadequada” a comparação feita pelo juiz. “O propósito das pessoas que têm reivindicações de esquerda nunca foi uma socialização da pobreza, mas sim a distribuição da riqueza”, explicou.
De acordo com o professor, a expressão “esquerda caviar” é utilizada com propósito de depreciar ou tentar desqualificar a esquerda. “A gente podia pensar diferente, pensar que são pessoas que têm uma vida confortável, tiveram acesso à instrução e moradia e se preocupam com pessoas que não tiveram a mesma sorte”, disse o professor.
“Não é preciso ser pobre para se preocupar com a situação das pessoas pobres. Não precisa ser sem-teto para se preocupar com quem não tem moradia. É um sentimento de solidariedade”, disse. Segundo o professor Arruda, o juiz saiu de sua função ao emitir um juízo de valor e “uma opinião completamente desnecessária”.
O estudante Fabio Hideki Arano, um dos presos no protesto de 12 de junho (Foto: Reprodução/TV Globo)
O estudante Fabio Hideki, um dos presos no
protesto de 12 de junho. (Foto:
Reprodução/TV Globo)
A ativista Mayara Vivian, garçonete e uma das líderes do Movimento Passe Livre (MPL), partiu em defesa dos acusados, um dos quais, Fábio Hideki, ela diz conhecer.
“Eu trabalho todo dia e o Fábio, conheço há muitos anos, trabalha também. Trabalha, estuda, faz coisa para cacete. Queria saber quem ele [juiz] chamou de caviar porque acho que ele trabalha menos que a gente, se for colocar no papel”, afirmou. Para ela, a prisão dos dois jovens foi política. “Já foi provado que eles não estavam com explosivos”, lembrou.
Laudos não apontam explosivos
Os dois ativistas, apontados como ‘black blocs’ estão presos preventivamente desde 23 de junho. Eles são acusados de porte de explosivos, associação criminosa e incitação à depredação do patrimônio público.

“As imagens indicam que os acusados possuíam liderança e comando sob a massa de alineados, sendo que há depoimentos consistentes que apontam que em poder dos mesmos foram apreendidos artefatos explosivos/incendiários, de modo que presentes estão os indícios suficientes de autoria”, determinou o magistrado, alegando que a soltura deles poderia ocasionar “consequências mais grave como mortes.”
Apesar de a Justiça considerar que a dupla portava explosivos, laudos do Instituto de Criminalística (IC) e do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) revelaram que os artefatos encontrados pela Polícia Civil com Fábio e Rafael não eram bombas.
O porte de explosivos foi um dos argumentos usados pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) para pedir a prisão dos dois manifestantes.

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