Romper o preconceito ao volante de um táxi

As mulheres que abraçam a profissão de taxista são admiradas pela coragem de enfrentar o preconceito e fazem o trabalho com prazer

Fotografia: Eduardo Pedro
 
O serviço de táxi individual em Luanda, como em qualquer parte do mundo, é, na sua maioria, realizado por homens. As mulheres que abraçam esta profissão, por opção ou contingência, são geralmente admiradas pela coragem de enfrentar o preconceito e pela habilidade para realizar tarefas que exigem esforço físico, como trocar um pneu ou fazer manobras. Para elas, no entanto, trata-se de uma actividade que desempenham com prazer e muita paciência.
Francisca Sebastião, de 45 anos, começou a trabalhar como motorista em Portugal, onde viveu durante dez anos. De regresso ao país, em 2006, trouxe consigo uma Toyota Hiace para continuar a actividade, que lhe dá sustento e muito prazer. “Gosto de conduzir. Ajuda-me a relaxar. É um trabalho divertido”, referiu.
Durante ano e meio, trabalhou como motorista de candongueiro em várias rotas da cidade de Luanda, entre as 5h00 e as 19h00. “Mas, durante o tempo em que prestei trabalho de táxi com o meu carro, fui forçada, muitas vezes, a ser mal-educada com alguns clientes pelo mau comportamento deles”. Estas situações, aliadas à vontade de ter mais tempo para se dedicar à família, levaram-na a arranjar um motorista e a suspender a actividade. No entanto, não gostou do trabalho dele, nem dos outros que vieram a seguir, por não cuidarem bem da viatura. Acabou por decidir vendê-la e fazer uma pausa, enquanto ponderava que rumo dar à vida.
Passado um tempo, soube que a empresa Afritáxi tinha vagas para motoristas e candidatou-se. Foi seleccionada, e três meses depois, em Agosto de 2010, começou a trabalhar. Devido à sua longa experiência, não teve dificuldade em se adaptar. Já sabia trabalhar com o taxímetro e ser cordial com os clientes.
“Geralmente fazem elogios, incentivam-nos a continuar e até há quem prefira ser transportado por mulheres. Dizem que somos mais prudentes”, explicou, para acrescentar que na empresa onde trabalha há 13 mulheres motoristas.
Francisca trabalha das 15h00 às 22h00 e tem folga uma vez por semana. Prefere este horário, porque lhe permite aproveitar a manhã para os afazeres domésticos. O marido e os filhos aceitam e apoiam a sua actividade, mas ela, apesar de gostar, sempre sonhou com uma outra: ser cozinheira. O gosto por esta profissão é maior do que a de taxista e, enquanto não o concretiza, faz comida por encomenda. Em Portugal, já trabalhava como cozinheira e, nos tempos livres, prestava serviço de táxi. “Faço estes trabalhos com o maior prazer, sem vergonha ou receio de ser discriminada, como acontece com muitas mulheres”. Pela sobrevivência da família, Francisca diz que aceitava trabalhar em qualquer área, desde que digna.

Taxista por causalidade

Apesar de mais nova, Gertrudes Policarpo, de 29 anos, tem um modo de pensar semelhante ao de Francisca Sebastião. Por isso, decidiu trabalhar como taxista, assim que soube da existência de vagas na Morvic, através de um motorista que a transportava como cliente. No dia seguinte, levou os documentos e foi admitida.
Gertrudes considera a sua história engraçada, porque nunca pensou em ser taxista, mesmo quando decidiu tirar a Carta de Condução profissional. Ela queria apenas ter noções de mecânica. O marido não a apoiou nesta decisão e, numa primeira fase, também não aceitou o seu emprego. Mas nem a desaprovação do marido a fez recuar. Estava determinada em contribuir para o sustento da família.
“Na altura, estava sem estudar e o meu filho ainda era pequeno. Mas queria fazer alguma coisa”, recorda. Agora, já conta com o apoio do marido, sente-se melhor e mais útil. A satisfação é maior porque passou a ter independência financeira e também aprendeu a economizar mais. “Antes fazia gastos desnecessários. Agora sei que trabalhar é duro”, reconheceu.
Gertrudes trabalha como taxista desde Maio de 2011, entre as 5h00 e as 14h00, por opção, para ficar mais tempo com os filhos e o marido. O seu sonho é ser advogada, mas está a fazer Comunicação Social na Universidade Independente de Angola. Parou no 2ºano, mas pensa dar-lhe continuidade e depois fazer o curso de Direito.
Além de Gertrudes, a Morvic emprega outras oito mulheres como motoristas, com as quais se dá bem. Em relação aos clientes, garante que nunca se sentiu discriminada por ser mulher.

Electricista da SGO

A empresa de transportes interurbanos SGO não tem mulheres motoristas, mas na área de manutenção há uma electricista. Perpétua Sebastião, 34 anos, explica que há cinco, quando entrou para a empresa, sentia-se mal por ser a única mulher entre dezenas de homens na sua área e teve receio de ser discriminada.
No entanto, as suas apreensões depressa se revelaram sem fundamento. Em pouco tempo, ganhou a admiração e o apoio dos colegas, por ser mulher e pela sua inexperiência. Hoje, com mais prática, sente-se segura e enfrenta melhor a descriminação de que tem sido vítima, quando está em serviço na rua. Os passageiros, assim que olham para ela, fazem comentários “ofensivos”, pondo em causa a sua competência. “Antes, isso deixava-me nervosa e insegura, mas agora não dou importância”, garante.
Perpétua já pediu para mudar de área, mas não obteve resposta dos seus superiores, por gostarem do seu desempenho e acreditarem que podia aprender a lidar com estas situações. Fez um curso básico de electricidade-auto e o curso médio de mecânica de manutenção industrial. Antes, o pai, que é mecânico de profissão, já lhe tinha ensinado muitas coisas, por ela demonstrar interesse pela actividade. Em contrapartida, a mãe ainda hoje questiona o seu gosto pela profissão escolhida. Não gosta de ver a filha com as unhas e o macacão sujos e a cheirar a combustível.
“O meu trabalho obriga-me a ficar nesse estado. Mas não vou assim para casa”, disse. Por calçar constantemente botas, não tem muito jeito para usar sapatos de salto alto. Também está quase sempre com o cabelo preso ou com tranças postiças. O marido entende o seu trabalho e incentiva-a a concretizar o sonho de se licenciar em manutenção industrial. Perpétua começa a trabalhar às 8h00 e larga às 16h30.

Com vocação para enfermagem

Na SGO também há mulheres cobradoras. Maria Celeste, 28 anos, é uma delas. Antes, era vendedora no mercado da Viana Sanzala. Há três anos, candidatou-se à SGO e ficou aprovada no teste psicotécnico. Nos primeiros dias, teve dificuldade em lidar com os passageiros, porque muitos entram no autocarro stressados e embriagados. Desentendeu-se com alguns, mas com o tempo aprendeu a ter calma.
“Não é fácil lidar com o público. Uns dirigem-se a nós sem maneiras. Outros não têm calma quando o autocarro avaria. Recusam-se a esperar e querem o dinheiro de volta a todo o custo”, contou. Mas há também aqueles que a elogiam e encorajam a continuar. Celeste é recolhida às 4h30 pelo carro da empresa e larga às 12h00, depois de prestar contas na tesouraria. No entanto, não pretende ser cobradora por muito mais tempo. O seu desejo é tornar-se enfermeira em breve, visto estar a frequentar o último ano do curso médio de enfermagem, no período nocturno.

Mulheres fazem a diferença

O desempenho de Perpétua Sebastião e de Maria Celeste, assim como de outras mulheres que trabalham na SGO, é positivo e, nalguns casos, até supera o dos homens, de acordo com o coordenador dos transportes, Muinguilo Filipe. As mulheres, acrescentou, têm demonstrado muita vontade de trabalhar e de preservar o emprego. “Algumas já foram agredidas por bandidos a caminho da paragem de recolha de manhã cedo, mas não desistem, como fazem alguns homens”, frisou. Quanto à atitude dos passageiros, o director do Gabinete de Comunicação e Imagem, Norato Silva, disse que a tendência, num primeiro momento, é menosprezá-las por não estarem habituados a ver mulheres nestas áreas, mas depois elogiam, quando reconhecem a qualidade do trabalho e a competência delas. “Uma mulher faz muita diferença”, declarou.

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