Recife: MPT aciona prefeitura por negligência contra trabalho infantil

A ação é assinada pela procuradora Vanessa Patriota da Fonseca, que pede à Justiça do Trabalho que determine ao município o cumprimento de sua obrigação constitucional de resguardar que nenhuma criança ou adolescente menor de 16 anos tenha de trabalhar.

O Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação civil pública contra a prefeitura do Recife por negligência na implantação de políticas e ações contra o trabalho infantil. O pedido junto à Justiça do Trabalho tem 96 páginas, além de argumento sobre o abandono das políticas do Programa Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e a sujeira nos Núcleos para Acolhimento de Crianças e Adolescentes (Neti) e fotos e relatos de situações de risco à saúde, de suspeita de abuso sexual e de falta de fiscalização do poder municipal.
A ação é assinada pela procuradora Vanessa Patriota da Fonseca, que pede à Justiça do Trabalho que determine ao município o cumprimento de sua obrigação constitucional de resguardar que nenhuma criança ou adolescente menor de 16 anos tenha de trabalhar. Vanessa detalha, no pedido em tramitação na 18ª vara da Justiça do Trabalho em Pernambuco, uma cronologia de ações, negociações e reuniões com os responsáveis na prefeitura do Recife. A pressão no Poder Executivo foi iniciada em 2008 e teve promessas de correções em 2011 e 2012. "Está comprovado o desinteresse do município em dar atendimento adequado às crianças e adolescentes integrantes do programa", afirma Vanessa Patriota.
Os casos mais comuns e frequentes de crianças e adolescentes trabalhando ocorre nas praias de Boa Viagem e do Pina, em especial nos fim de semana. Na ação, a auditora e fiscal do Ministério do Trabalho Paula Neves detalha até mesmo os trechos da praia onde a identificação de crianças e adolescentes é notável e o período do dia em que é praticamente certo encontrá-los. "No extremo norte da praia do Pina ou em frente ao Edifício Acaiaca é fácil encontrar crianças e adolescentes e, mais ainda, das 11h às 14h", especificou a fiscal.
Um passeio nas faixas de areia indicadas, pouco depois do meio-dia, no domingo, 24 de fevereiro, e, rapidamente, foram observadas crianças e adolescentes trabalhando. Em frente aos novos postos de salva-vidas, onde a placa anuncia que a Guarda Municipal estaria integrada às polícias Civil, Militar e bombeiros militares, um menino de 9 anos arrumava cadeiras de praia, recolhia latas vazias e pegava pedidos de clientes. A tia disse que ele não estava trabalhando. "Eu olho ele, porque hoje a mãe dele não pode ficar. Ele não trabalha, não coloca aí (na matéria) que ele trabalha", armou-se.
Mais adiante, novamente meninos de 11 anos e adolescentes com 13 e 14 anos vendem comida, passam troco, arrumam cadeiras de praia e levam bebidas ou refrigerantes na companhia de adultos e sob a visão de salva-vidas ou guardas municipais. Os salva-vidas dizem que se preocupam com os banhistas na água e crianças ou adolescentes perdidos. Os guardas no calçadão da praia de Boa Viagem, um dos cartões postais do Recife, afirmam que sua missão tem relação com o melhor uso de calçadas, ciclovias, quiosques e praças da orla e não observam menores de 18 anos trabalhando com adultos.
 
A secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Ana Rita Suassuna, se manifestou sobre o assunto por meio de nota. Ela diz ter conhecimento das denúncias e informa que desenvolve um plano de ação para o incremento do trabalho junto à praia e mercados públicos. "Assumimos a secretaria em janeiro", lembra.
Com relação às várias denúncias de organizações não governamentais (ONGs) que trabalham com dificuldades, situação classificada como "dramática" pela procuradora Vanessa Patriota, a secretária Ana Rita Suassuna garante ter analisado e identificado fragilidades nos processos e programa um acompanhamento técnico mais sistemático das instituições.
Pior é o município anunciar atendimento de crianças que, de fato, não estão sendo atendida
Vanessa PatriotaProcuradora do Ministério Público do Trabalho
A "situação dramática" é detalhada na ação civil pública como alimentação insuficiente, ausência de proposta pedagógica, estrutura física precária, falta de materiais pedagógicos, esportivos e recreativos, irregularidades na contratação dos monitores e de outros trabalhadores do programa, entre outros problemas. "Pior é o município anunciar atendimento de crianças que, de fato, não estão sendo atendidas, como no Núcleo Associação Comunitária dos Moradores da Ilha do Chié e no Centro Social Dom João Costa", destaca a procuradora Vanessa Patriota. "Ocorre uma ofensa ao direito da criança", resume.
A fiscal da superintendência do Ministério do Trabalho Paula Neves afirma que ações de fiscalização da aplicação dos recursos federais têm consequências em benefício da sociedade. Ela acompanhou uma criança, hoje adolescente, que resistiu a deixar de trabalhar. "Porque ele ganhava até R$ 300 por fim de semana na praia vendendo amendoim". Paula Neves lembra que a última notícia que teve do adolescente foi na sala de aula. "O trabalho infantil afasta da escola. Os jovens mais inteligentes notam a armadilha quando se comparam com meninos da mesma idade, que avançaram nos estudos", diz.

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