Hospital psiquiátrico do Recife usa carnaval como terapia alternativa

Artistas e pacientes se misturam na festa do Hospital Ulysses Pernambucano. José Leonardo da Silva tomou o lugar do rei do maracatu. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Artistas e pacientes se misturam na festa do Hospital Ulysses Pernambucano.
José Leonardo da Silva tomou o lugar do rei do maracatu. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
O carnaval é uma festa de alegria, cores, música e diversão. A festa é também uma terapia, em especial para os internos do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano (HUP), no bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife, mais conhecido como Hospital da Tamarineira. Com prévias e oficinas ao longo do mês de janeiro e um desfile no dia 7 de fevereiro, a folia se transforma em remédio para as tristezas e um tônico para enfrentar o internamento.
O HUP tem 160 internos, todos em crise aguda, pois o hospital só interna, atualmente, nesses casos. O objetivo é estabilizar as pessoas para que elas possam retornar aos seus lares e levar uma vida normal na comunidade. “Mesmo com todo trabalho de humanização, o hospital é um lugar que as pessoas estão sofrendo. Trazer o carnaval para cá é trazer vida. Para quem está em sofrimento, nada melhor do que trazer vida”, defende a diretora do hospital, Benvinda Magalhães.
Prévias acontecem às quarta-feiras, dias de visita. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Prévias acontecem às quartas, dias de visita.
(Foto: Katherine Coutinho / G1)
As prévias acontecem às quartas-feiras, dias de visita. No começo de cada festa, alguns pacientes ficam um pouco desconfiados, mas logo acabam se envolvendo na folia, como Kátia Maria Belo. “Hoje eu acordei chorando, pensando nos meus quatro filhos e pedindo a Deus que eu consiga sair daqui para cuidar deles. Então, encontrei essa festa. Limpou o meu coração, renovou as minhas forças. Foi um presente”, acredita Kátia.
Além de trazer vida, a festa ajuda os pacientes a se situar no tempo, saber em que mês estão. “Um dos pontos da psicose é a desorientação. Trabalhamos para minimizar os efeitos do confinamento, a arte de forma geral ajuda a estabilizar. As prévias ajudam a quebrar a tensão do ambiente hospitalar, embora possam ter o efeito de tensionar também", explica Elizabeth Rocha, coordenadora do Centro de Atividades Terapêuticas (CAT) do HUP.
José Rinaldo se emocionou com os frevos de bloco. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
José Rinaldo se emocionou com os frevos de bloco
(Foto: Katherine Coutinho / G1)
Quando o Balé Cultural de Pernambuco apresentou a música ‘Madeira do Rosarinho’, um clássico frevo de bloco, os olhos de José Rinaldo Oliveira da Silva se encheram de lágrimas. Uma das terapeutas se aproximou, buscando saber o que acontecera. Quase sem palavras, ele indicou que se lembrou do passado. “Mas eu gosto da festa, gostei do grupo”, diz José Rinaldo.
O principal da folia é mexer com as pessoas que estão ali, afastando-as da alienação, ressalta Elizabeth. “Às vezes uma música romântica de carnaval mexe com uma pessoa, ela lembra de alguma passagem da vida e chora. Isso não é ruim, quer dizer que a pessoa foi mexida. Assim temos como trabalhar esse sentimento. Vivemos hoje uma ‘ditadura da alegria’, as pessoas tem também direito a chorar”, afirma a coordenadora.
 
Interação
A equipe multidisciplinar entra na festa também, trazendo os mais desconfiados para a roda de ciranda e escutando aqueles que querem falar. “Os quadros emocionais são muito instáveis. Todos eles estão em sofrimento, mesmo os que parecem muito animados. Quando você tem alguém em euforia extrema, que não consegue parar, nem dormir, por trás há sofrimento. A gente vê as mudanças durante todo o projeto”, detalha Elizabeth.
Com um sorriso no rosto, penacho na cabeça, José Leonardo da Silva entrou no meio do maracatu do Balé Cultural e assumiu o lugar de rei. "Eu gosto de carnaval, por mim, podia ter todos os dias. Gosto de dançar", conta José Leonardo. Pacientes e artistas se misturam e interagem.
Oficina de chapéus do Hospital da Tamarineira. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Oficina de chapéus do Hospital da Tamarineira. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Entre as atividades ligadas ao Reinado de Momo, está a oficina de chapéus. Cada um faz o seu, usando e abusando das cores. “As oficinas ligadas às artes estão entre as favoritas. É possível perceber a necessidade deles em se expressar, é algo muito grande. Por isso, há também uma interação muito grande com os grupos culturais que vêm aqui durante as prévias. Não é um trabalho apenas contemplativo”, lembra a coordenadora.
Sandra Maria já foi interna e voltou para visitar colegas (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Sandra Maria já foi interna e voltou para visitar colegas
(Foto: Katherine Coutinho / G1)
A faxineira Sandra Maria dos Santos passou duas semanas internada no HUP em 2012, durante o mês de fevereiro. Durante as prévias, aproveitou para visitar os antigos colegas, pessoas pelas quais criou um carinho especial. “Eu tenho trabalho, dois filhos, sei fazer de tudo. Eu tive foi um descontrole e minha mãe me trouxe para cá, estava sem o meu remédio. Gosto daqui, venho visitar os amigos de vez em quando”, conta Sandra.
Terapeuta ocupacional com especialização em doenças mentais, Elizabeth explica que o objetivo é justamente fazer as pessoas terem uma vida normal. “A psicose é uma doença crônica, mas que tem controle, como diabetes e pressão alta, a diferença é que dá mais trabalho. A sociedade exclui tudo que dá trabalho, o que existe é uma intolerância social, mesmo com alguns que tem conhecimento”, acredita.
Por isso, para o desfile do dia 7 de fevereiro, os pacientes e toda a equipe multidisciplinar, incluindo médicos, psicólogos, terapeutas, enfermeiras e assistentes sociais, se unem a comunidade no desfile do bloco de carnaval. “A gente precisa dessa integração com a comunidade, quebrar os paradigmas da doença mental. As pessoas associam doença mental a periculosidade, mas no bloco inteiro, não tem uma briga sequer. Todos se misturam, você não sabe ao certo quem é paciente e quem veio só para a festa”, explica a coordenadora.
O bloco do HUP sai no dia 7 de fevereiro, quinta-feira antes do carnaval, com concentração às 9h, em frente ao hospital. “Temos uma frevioca e uma orquestra no chão. Vem pessoas dos CAPs (Centros de Atendimento Psicossocial), da comunidade, vizinhos, é uma festa muito bonita”, conta Elizabeth.
Folia no Hospital Ulysses Pernambucano. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Folia no Hospital Ulysses Pernambucano. (Foto: Katherine Coutinho / G1)
 

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